DISPLATE

domingo, 18 de dezembro de 2016

QUE VENHA O NATAL....


.

Os animais do presépio

Salve, reino animal:
todo o peso celeste
suportas no teu ermo.

Toda a carga terrestre
carregas como se
fosse feita de vento.
Teus cascos lacerados
na lixa do caminho
e tuas cartilagens

e teu rude focinho
e tua cauda zonza,
teu pêlo matizado,

tua escama furtiva,
as cores com que iludes
teu negrume geral,
Teu vôo limitado,
teu rastro melancólico,
tua pobre verônica

em mim, que nem pastor,
soube ser, ou serei,
se incorporam num sopro.

Para tocar o extremo
da minha natureza,
limito-me: sou burro.

Para trazer ao feno

o senso da escultura,
concentro-me: sou boi.






A vária condição
por onde se atropela
essa ânsia de explicar-me

agora se apascenta
à sombra do galpão
neste sinal: sou anjo.


Carlos Drummond de Andrade
Antologia Poética, 2001
Lisboa: Publicações Dom Quixote, pp.254-5